Ressuscitando o conceito da Tríade: Os Vinte
Por Vijay Prashad (Publicado em 03 de junho de 2023)
Caros amigos,
Saudações da mesa do Tricontinental: Institute for Social Research.
No encerramento da cúpula do Grupo dos Sete (G7) de maio de 2023 em Hiroshima (Japão), os ministros das Relações Exteriores do Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos e o Alto Representante da União Europeia (UE) divulgou uma declaração longa e informativa. Em uma seção intitulada 'China', os oito funcionários escreveram que 'reconhecem a importância de se envolver abertamente e expressar nossas preocupações diretamente à China' e que 'reconhecem a necessidade de trabalhar em conjunto com a China nos desafios globais, bem como nas áreas de interesse comum, inclusive sobre mudança climática, biodiversidade, segurança da saúde global e igualdade de gênero'. O tom diplomático da declaração se destaca em comparação com a retórica acalorada que esses países adotaram nos últimos anos e é muito mais brando do que a linguagem usada na própria reunião do G7, onde os chefes de governo acenaram com a frase 'coerção econômica', indiretamente direcionados à China.
Uma leitura atenta dos discursos do encontro sugere que há diferenças de opinião entre os líderes dos países do G7, principalmente quando se trata da China e de suas próprias políticas industriais domésticas. Certamente, vários estados europeus estão preocupados com as consequências econômicas domésticas do prolongamento da guerra na Ucrânia e de um possível conflito militar em Taiwan. Talvez seja esse desconforto que levou o presidente dos EUA, Joe Biden, a dizer: 'Não estamos procurando nos separar da China, estamos procurando reduzir o risco e diversificar nosso relacionamento com a China'.
Para a Europa, a noção de dissociação da China é inconcebível. Em 2022, os números da UE mostram que a China foi o terceiro maior parceiro de bens exportados da região e o maior parceiro de bens importados para a região, com a maioria dos bens importados pela China sendo produtos manufaturados de alto valor agregado. As economias domésticas da Europa já foram gravemente prejudicadas pela recusa do Ocidente em negociar um acordo de paz na Ucrânia; ser cortado do florescente mercado chinês seria um golpe fatal.
A reunião do G7 revela as lacunas entre os Estados Unidos e seus aliados (Europa e Japão), mas essas diferenças de interesse e opinião não devem ser superestimadas. Como parte de nosso trabalho no Tricontinental: Institute for Social Research, temos pesquisado e analisado a natureza da cooperação entre os Estados Unidos, a Europa e o Japão — a 'Tríade', como Samir Amin os chamou; enquanto nossa pesquisa ainda está em andamento, apresentamos alguns dos dados neste boletim.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos construíram um sistema internacional que tinha como premissa a subordinação e integração do Japão e da Europa. Esse processo de subordinação e integração ficou evidente no aparato militar construído pelos Estados Unidos, sendo a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) estabelecida em 1949 e o Tratado de Segurança EUA-Japão de 1951 os eixos centrais. O estabelecimento de um sistema de bases militares dos Estados Unidos nas potências derrotadas - Alemanha, Itália e Japão - permitiu a Washington deixar de lado qualquer conversa sobre um projeto militar ou diplomático soberano para a Europa ou o Japão (os acessos de raiva da França, inspirados pelo grande senso de Charles De Gaulle do destino francês, levou não a uma retirada da OTAN, mas apenas a uma remoção das forças francesas do comando militar da aliança em 1966).
Atualmente, existem 408 bases militares americanas conhecidas nos países dos Cinco Olhos (Austrália, Canadá, Nova Zelândia, Reino Unido e – porque compartilham informações entre si – Israel), na Europa e no Japão. Surpreendentemente, o Japão sozinho tem 120 bases militares dos EUA, enquanto a Alemanha abriga 119 delas. É importante entender que essas bases não são meramente instrumentos de poder militar, mas também de poder político. Em 1965, Thomas Hughes do Bureau de Inteligência e Pesquisa do Departamento de Estado dos Estados Unidos escreveu um importante memorando, 'O Significado da OTAN — Presente e Futuro'. A OTAN, escreveu Hughes, “permanece essencial para os EUA como um instrumento bem estabelecido e facilmente disponível para exercer a influência política americana na Europa” e, em última análise, “é importante para a proteção dos interesses americanos na Europa”. Tal sistema já havia sido implementado no Japão, conforme detalhado neste memorando militar dos EUA de 1962. A rede de bases militares dos EUA na Europa e no Japão é o símbolo de sua subordinação política a Washington.